sexta-feira, 13 de março de 2015

Lumino City: Uma aventura em papel, maquetes e memórias


Uma memória, mais antiga do que parece ser, na maioria das vezes: é o ensino fundamental e estou na minha aula de Artes, papel colorido, tesoura, cola e fita adesiva na minha frente. O trabalho de hoje é montar figuras geométricas em três dimensões e o andamento da atividade para mim está se desenrolando como uma semifinal de Copa do Mundo (eu, no caso, o Brasil, e os materiais para a tarefa, a Alemanha). Ao final daquilo tudo, após entregar à professora minhas figuras geométricas no melhor estilo 2.5D, muito à frente de seu tempo, eu tinha certeza que de que aquele não era o dom com o qual eu havia nascido. O tempo, mestre de tudo, provou que isso era verdade, Cresci sem qualquer talento para artes plásticas, mas amando descobrir cada novo talento no campo, fascinado pela habilidade e pelas diferentes representações de mundo possíveis por meio dessa habilidade. As aulas de Artes, hoje sei, não estavam ali para descobrir quem tinha o talento ou não. Sua função era expandir nossas visões e guiar nossos olhos para pontos até então ignorados.

Poucas coisas me lembraram tanto essas aulas, cuja idade já é contada na escala de décadas, quanto Lumino City. Não é só seu estilo visual, que, em plena era da arte digital, aposta em uma abordagem old school - todos os cenários são construídos em modelos reais, maquetes de papel e cartolina -, como também sua atmosfera de exploração, fascinação e descoberta de um mundo com novas e incríveis possibilidades. Lumino City tem em si o espírito de uma criança com uma aventura em mãos. Não a missão que guia sua protagonista, Lumi, propriamente dita, já que esse é apenas o caminho. A aventura real é a jornada de amadurecimento e independência de Lumi, uma aventura compartilhada por bilhões de crianças em aulas de Artes (e Matemática, e História, e Ciências) ao redor do mundo.


Em termos mecânicos, Lumino City é um puzzle / point and click criado pela State of Play. Ao contrário da maior parte dos point and clicks, o jogo não apresenta uma história complexa - sua premissa inicial é extremamente básica e nunca realmente se expande. Lumi é uma garota que parte em busca de seu avô, que desapareceu misteriosamente durante um encontro para um chá. Sua jornada a leva à Lumino City do título, um lugar de arquitetura singular, construído como um carrossel na rocha de uma montanha. Casas se abrem para o nada, a incontáveis metros de altura, complicadas passarelas, escorregas e canos servem de transporte de um ponto a outro da cidade e todos os moradores parecem conhecer o avô de Lumi, apesar de ninguém saber apontar seu paradeiro.

Eu poderia falar horas e horas de como o estilo visual de Lumino City é impressionante e não fazer justiça a ele. Provavelmente o que mais chama atenção nele é ser tão destoante da arte digital que é o padrão estético para video games. Mesmo colocando-se o fator novidade de lado, ele ainda é extremamente notável e deixa uma impressão marcante no jogador. Lumino City ganha vida na direção de arte impecável e original do jogo. Seus puzzles seguem a maior parte dos moldes estabelecidos pelos point and clicks, e, se não reinventam a roda, são bastante bem pensados e capazes de prender a atenção do jogador com sua variedade e razoável desafio (que aumenta bastante no trecho final do jogo). Há um sistema de dicas bem criativo, aliás, por meio de um Guia-Para-Todas-as-Coisas do avô de Lumi que a garota pode consultar para avançar na solução de certos puzzles.

A produção de Lumino City muitas vezes lembrava a de um filme.
É sem dúvida na exploração da cidade que Lumino City se destaca. Cada cenário apresenta uma novidade e seus moradores, meio fábulas, meio brincadeira com arquétipos, parecem fazer uma simbiose com o espírito da cidade, servindo como uma verdadeira extensão da arquitetura do lugar. Uma consideração importante a respeito deste jogo é que ele é na verdade uma continuação de outro trabalho da State of Play, Lume (estou começando a notar um padrão aí). Isso, porém, não é um problema para quem não teve a oportunidade de jogar o antecessor, grupo no qual me incluo. Lumino City é um jogo totalmente a parte e independente, mantendo apenas os personagens centrais e estilo visual de Lume.

Lumino City não é perfeito (sua jogabilidade apresenta espaço para melhorias simples que enriqueceriam a experiência) nem tenta ser extremamente inventivo em suas mecânicas, mas há bastante características únicas e momentos incríveis para garantir que sua experiência permaneça com o jogador por um longo tempo. Sua mistura de gostos - descobertas da infância com questões da vida adulta, tradição e progresso, o novo e o antigo em tranquila união - não perde a mão em nenhum instante, e há muitos elementos em sua história simples que podem propiciar leituras variadas. A experiência é válida para crianças de todas as idades, as de 8 e as de 80, porque o mundo tem sempre um ângulo novo para ser explorado e descoberto, não importa o quanto mais velhos e certos de tudo fiquemos. É exatamente o que obras como Lumino City querem nos lembrar a todo tempo. Ainda bem.

Data de lançamento: 2014
Onde jogar: Mac e PC, pelo Steam

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