quinta-feira, 21 de maio de 2015

Grim Fandango: A dança macabra de um clássico eterno


Grim Fandango pode ser um dos jogos mais importantes de todos os tempos. Não estou me referindo aqui exclusivamente ao gênero adventure – até porque, considerando o gênero do adventure clássico, que teve sua época de ouro no começo dos anos 1990, com os trabalhos da LucasArts e da Sierra, Grim Fandango reina soberano. O que falo aqui é da importância e da influência desse jogo em tantos outros das gerações futuras. 

Não que Grim Fandango tenha revolucionado algo em termos de jogabilidade. Pelo contrário, é em sua narrativa, na maneira como ela se amarra às mecânicas clássicas do adventure, e no modo como um universo tão rico e profundo em sátira e crítica social foi construído que sua importância histórica reside. Tim Schafer, seu diretor e roteirista, é um dos nomes mais importantes da indústria, e um dos criadores mais talentosos. O fato de que este até hoje é o seu trabalho mais complexo e importante diz bastante por si só sobre seus méritos.



No enredo de Grim Fandango, o protagonista é Manuel “Manny” Calavera, um habitante da Terra dos Mortos, o lugar para onde as almas das pessoas vão após a morte. Ao chegar na Terra dos Mortos, todos sonham fazer a travessia final para o Nono Submundo, o lugar de descanso definitivo para as almas. Porém, a travessia não é tão simples: como chegar até o Nono Submundo é uma questão de como você viveu sua vida até o momento de sua, bem, morte. Aqueles que viveram uma vida justa têm o direito de viajar no trem número 9, um expresso que leva ao Nono Submundo em minutos. Para aqueles que não, o pós-vida não é fácil: eles precisam fazer a travessia a pé, atravessando um terreno inóspito, numa jornada que leva 4 anos.

Desnecessário dizer, a perspectiva da árdua viagem desanima muitas almas, que acabam arranjando empregos pela Terra dos Mortos e desistindo da travessia. Manny é um desses trabalhadores, embora nunca tenha abandonado a ideia de finalmente alcançar o Nono Submundo. Trabalhando como um agente de viagens, onde usa o tradicional figurino do Ceifador (apenas a primeira subversão de uma imagem clássica feita por Schafer no jogo), ele planeja usar seus esforços como pagamento para um ticket no número 9. Porém, o fato de nunca conseguir bons clientes, ao contrário de seu rival, Dom, o deixa cada vez mais desconfiado. Ao “roubar” uma cliente de Dom, Mercedes “Meche” Colomar, sua desconfiança se prova fundada: ele descobre um esquema de corrupção em seu trabalho que coloca a sua (pós-)vida e a de Meche em jogo, dando início a uma jornada que percorrerá toda a Terra dos Mortos e apresentará um grande leque de personagens marcantes, sejam aliados ou inimigos, cada um com uma personalidade fascinante e algo novo para acrescentar à trama.

Grim Fandango não economiza nas homenagens e influências que compõem sua história. Algumas estão mais óbvias, como todo o cenário da Terra dos Mortos e o estilo visual de seus habitantes, claramente inspirados pela celebração mexicana do Dia dos Mortos. Há também a clara referência ao cinema noir, com Meche exercendo seu papel de femme fatale com perfeição. O jogo de referências se torna ainda mais interessante quando Grim Fandango subverte as expectativas do jogador com os gêneros em questão. Se o enredo é o mais maduro e, de muitas formas, sombrio da história da LucasArts, cheio de críticas à burocracia, ao corporativismo e à exploração do trabalhador comum, é também um dos mais sarcásticos, ironizando todo tipo de grupo político de forma indiscriminada.

Play it, Glottis. Play "As Time Goes By".
Tudo isso é casado com a impressionante trilha de Peter McConell e uma das melhores direções de arte da história dos jogos de adventure. A edição remasterizada, lançada este ano, adiciona novas texturas, efeitos de iluminação e melhora o aspecto gráfico do jogo, oferecendo uma sensação de polimento, mas seu maior mérito é sem dúvida lançar esta obra tão importante em consoles da geração atual e ajudar a reforçar o peso de seu nome entre o público de vídeo games atual.

Grim Fandango não vendeu bem – uma das maiores sinas da carreira de Schafer, na verdade –, tendo sido lançado num ano em que o 3D fazia sucesso com suas mecânicas e visual inovadores, e nomes como Ocarina of Time, Metal Gear Solid e Half-Life dominavam o mercado. Ainda assim, sua importância sobreviveu ao longo dos anos e foi celebrada em diversos jogos por estúdios de todos os tamanhos e públicos. Grim Fandango levou a questão da narrativa em video games a um novo patamar, amarrando uma história cheia de metáforas e sutilezas com uma jogabilidade que lentamente perdia sua relevância, mas que ganhou nova vida e atingiu seu ápice ao ser enriquecida por um roteiro complexo e envolvente.

Embora o adventure tenha sofrido um recesso ao longo dos anos 2000, é difícil imaginar que aspecto teriam os jogos produzidos no atual retorno da popularidade do gênero sem seu impacto. O que é fácil de observar, porém, é como video games se tornaram uma mídia mais rica após Grim Fandango. E que venham muitos outros como ele no futuro.

With bony hands I hold my partner/ On soulless feet we cross the floor/ The music stops as if to answer/ An empty knocking at the door/ It seems his skin was sweet as mango/ When last I held him to my breast/ But now we dance this grim fandango/ And will four years before we rest.”

Data de lançamento: 1998, versão original; 2015, versão remasterizada
Onde jogar: A versão remasterizada foi lançada para PC, Mac, PlayStation 4 e Vita


Nenhum comentário:

Postar um comentário