segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Kentucky Route Zero, Atos I, II e III - A longa estrada noite adentro


Para quem é familiarizado com a obra do diretor americano David Lynch, o conceito de realismo fantástico deve ser um velho conhecido. Se você, porém, nunca assistiu um episódio de Twin Peaks ou perdeu-se nos labirintos de Cidade dos Sonhos, não se preocupe, pois o conceito é de fato bastante simples: em suma, trata-se de um ambiente ficcional que é igualzinho à nossa realidade, porém com a significativa diferença de que coisas mágicas ou pertencentes ao campo do absurdo acontecem rotineiramente nesse mundo e são tratadas de maneira completamente normal por seus habitantes.

Kentucky Route Zero, jogo em episódios da desenvolvedora Cardboard Computer (composta por apenas três pessoas!), poderia muito bem ser utilizado em dicionário de sinônimos para definir realismo fantástico. Com suas duas primeiras partes lançadas em 2013 e a terceira em 2014, o jogo segue a jornada de Conway, um velho caminhoneiro que faz entregas para uma loja de antiguidades e que está a procura de um endereço dentro do estado americano do Kentucky. Porém, todos que ele encontra em seu caminho garantem que o único meio de chegar lá é por uma tal "Route Zero", uma estrada misteriosa que ninguém sabe precisar bem onde começa ou termina.

Conway conhece várias pessoas em seu caminho, fazendo novas amizades e descobrindo histórias recheadas de deslumbramento ou capazes de partir o mais duro dos corações. Enquanto sai de seu caminho para ajudar essas pessoas e, quem sabe, conseguir achar as direções para realizar sua entrega. situações fantásticas e inacreditáveis acontecem, fazendo Conway traçar novas rotas, juntar-se a outras pessoas e nós, os jogadores, aprendermos mais sobre a vida do protagonista e de todos os outros fascinantes personagens do jogo.

É, de muitas maneiras, bastante adequado que Kentucky Route Zero se passe em uma estrada. Afinal, duas pessoas podem pegar a mesma estrada e, ao chegarem a seu objetivo, terem se focado em pontos diferentes da vista, conversado com pessoas diferentes no bar enquanto paravam para o almoço e por fim terem a sensação de que pegaram caminhos completamente diferentes. Da mesma forma, a narrativa de Kentucky Route Zero tem tantas ramificações implícitas e explícitas que duas pessoas podem jogá-lo e interpretar seus eventos de maneira completamente diferente. Não são exatamente ramificações objetivas, como aquelas de The Walking Dead, da Telltale, que levam a história a desfechos diferentes. Pelo contrário, Kentucky Route Zero é todo subjetividade, nos deixando em dezenas de momentos com aquela sensação de "ok, o que foi isso?". E, dessa forma, acaba sendo também um pedacinho de realismo fantástico nos nossos outrora pacatos mundinhos de pessoas comuns.

Narrativa à parte, é preciso destacar também a arte incrível desse jogo. Sim, ela é extremamente minimalista, mas também oferece alguns dos cenários mais bonitos e ricos que vi recentemente. Uma experiência visual intensa e apaixonante.

Ainda não há confirmação das datas de lançamento das duas últimas partes, mas isso não pesa nem um pouco contra a decisão de jogar as três já lançadas agora. Acreditem, cada parte é um microcosmo autossustentável, basicamente um jogo em si, e cada jogo, uma longa jornada que apresenta caminhos que talvez nunca se fechem em nossas cabeças. Ainda bem.

Gênero: Point and Click
Data de lançamento: 2013 (dois primeiros atos), 2014 (terceiro ato), dois últimos atos a anunciar
Onde jogar: PC, Mac e Linux, baixado pelo site, Steam ou Humble Bundle