quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Life Is Strange, Episódio 1: Muito mais que uma introdução


"O bater das asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova York." Se esse enunciado parece familiar para você, você provavelmente já leu ou ouvir falar alguma coisa a respeito da teoria do caos. Se analise teórica de sistemas não é sua praia, não se preocupe, você não veio parar na página errada. Tudo que quero é chamar atenção para a diretriz central da teoria, a de que pequenas alterações e irregularidades em um sistema complexo podem levar a resultados inesperados (ou seja, é a justificativa científica para aquele temporal anunciado pelos meteorologistas há dias ter se transformado em sol e muito calor). A grosso modo, estamos falando aqui das condições para o surgimento do caos, e existem poucas coisas mais caóticas que a vida de uma garota de 18 anos, presa entre o fim da adolescência e o começo da vida adulta em um mundo que promete descobertas e anseios, felicidades e decepções entregues quase juntas e mal embrulhadas.

Ainda assim, Life Is Strange, da Dontnod Entertainment, decide adicionar um pouquinho mais de caos na vida de Maxine Caulfield. Max voltou à pequena cidade no Oregon na qual nasceu para estudar fotografia na Blackwell Academy, após alguns anos morando em Seattle. Após algumas semanas inciais menos que entusiasmantes, a vida de Max na academia dá um giro quando ela testemunha um assassinato em um dos banheiros - e a vítima é sua melhor amiga de infância, Chloe, com quem ela perdeu o contato após sua mudança. O pânico dá lugar ao choque quando Max, em seu desespero, descobre ter o poder de voltar no tempo. Jogada de volta para a sala de aula, alguns minutos antes, ela precisa lidar com as implicações de seu poder recém-descoberto e vê nele a chance de fazer algo bom e salvar a amiga de infância.


A proposta de Life Is Strange se inspira em um longo sonho humano: quem nunca se arrependeu de dizer algo um segundo depois das palavras saírem e desejou poder voltar no tempo para consertar isso? Ou se torturou por dias após tomar uma decisão importante, imaginando o que aconteceria se simplesmente tomasse a decisão oposta? A mecânica de "aperte um botão e volte alguns instantes" não é inédita - Prince of Persia: The Sands of Time foi um dos maiores sucessos de 2003 por conta justamente disso, entre outros fatores -, mas Life Is Strange se destaca por amarrar essa funcionalidade à sua narrativa. Não é, portanto, um recurso de tentativa de erro, algo que pode ajudar você a ter uma vantagem em um combate ou sequência de plataforma; pelo contrário, não há escolha "certa" entre assumir ou não a culpa de algo no lugar de uma amiga ou optar por humilhar ou confortar uma rival após uma situação embaraçosa. Todas as possíveis escolhas dão início a uma cadeia de eventos que pode se tornar gigantesca, e o reset temporal pode adicionar mais variáveis a uma equação que já é bastante complexa.

Se sua mecânica já é um diferencial que torna o primeiro episódio, lançado em janeiro deste ano, digno de uma conferida, sua história mostra-se promissora e o elemento que faz o season pass valer a pena. O mundo em que Max vive, as pessoas que fazem parte dele e as situações e dilemas pelos quais elas passam são bastante críveis e escritas com bastante cuidado. A angústia característica de jovens de 17 e 18 anos pode não ser o cenário mais entusiasmador para se visitar (ou revisitar), mas é tratado com uma boa dose de beleza: caminhar nos corredores da academia ao som de indie folk enquanto você é apresentado às felicidades e tristezas daquele grupo de estudantes é um momento de puro poesia, que dá o tom das coisas que virão.

Ok, talvez nem tudo seja crível, mas acho que é isso que chamam de rebeldia adolescente, não?

Também é preciso admirar a bravura da Dontnod Entertainment, que, em tempos de Gamergate e polêmicas (completamente idiotas e danosas) quanto à representação feminina em video games, manteve-se fiel à sua escolha artística e insistiu em uma protagonista feminina, apesar das pressões de publishers em potencial para que isso não acontecesse, até receber carta branca da Square. Esse é, inclusive, o segundo do jogo da desenvolvedora a optar por uma mulher como protagonista, algo já feito em Remember Me, jogo que, apesar de não chegar perto de reinventar a roda, merecia mais amor e atenção do que recebeu. Em Life Is Strange, a relação de Max e Chloe é um dos destaques do primeiro episódio e promete ser expandida e aprofundada nos próximos capítulos.

O efeito borboleta de Life Is Strange está só começando, é verdade, e seus efeitos apenas começam a ser sentidos. A borboleta já está lá e o furacão já se formou, mas ainda está para chegar. O primeiro episódio é uma introdução ao que pode se tornar um dos melhores jogos do ano, ao mesmo tempo em que não se limita a ser apenas um degrau da escada. Sua riqueza e profundidade já é notável e fica bastante claro que ainda há muito mais pela frente. O vento pode soprar para qualquer lado e se o presente é moldável, o futuro está aberto a especulação, mas uma coisa já está decidia: eu vou estar lá para ver o que vai acontecer.

Data de lançamento: O primeiro episódio saiu em janeiro e o segundo está previsto para março, com outros três ao longo do ano.
Onde jogar: PC, PS3, PS4, Xbox 360 e One. É possível comprar o episódio separado ou o season pass.


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