quinta-feira, 21 de maio de 2015

Grim Fandango: A dança macabra de um clássico eterno


Grim Fandango pode ser um dos jogos mais importantes de todos os tempos. Não estou me referindo aqui exclusivamente ao gênero adventure – até porque, considerando o gênero do adventure clássico, que teve sua época de ouro no começo dos anos 1990, com os trabalhos da LucasArts e da Sierra, Grim Fandango reina soberano. O que falo aqui é da importância e da influência desse jogo em tantos outros das gerações futuras. 

Não que Grim Fandango tenha revolucionado algo em termos de jogabilidade. Pelo contrário, é em sua narrativa, na maneira como ela se amarra às mecânicas clássicas do adventure, e no modo como um universo tão rico e profundo em sátira e crítica social foi construído que sua importância histórica reside. Tim Schafer, seu diretor e roteirista, é um dos nomes mais importantes da indústria, e um dos criadores mais talentosos. O fato de que este até hoje é o seu trabalho mais complexo e importante diz bastante por si só sobre seus méritos.



No enredo de Grim Fandango, o protagonista é Manuel “Manny” Calavera, um habitante da Terra dos Mortos, o lugar para onde as almas das pessoas vão após a morte. Ao chegar na Terra dos Mortos, todos sonham fazer a travessia final para o Nono Submundo, o lugar de descanso definitivo para as almas. Porém, a travessia não é tão simples: como chegar até o Nono Submundo é uma questão de como você viveu sua vida até o momento de sua, bem, morte. Aqueles que viveram uma vida justa têm o direito de viajar no trem número 9, um expresso que leva ao Nono Submundo em minutos. Para aqueles que não, o pós-vida não é fácil: eles precisam fazer a travessia a pé, atravessando um terreno inóspito, numa jornada que leva 4 anos.

Desnecessário dizer, a perspectiva da árdua viagem desanima muitas almas, que acabam arranjando empregos pela Terra dos Mortos e desistindo da travessia. Manny é um desses trabalhadores, embora nunca tenha abandonado a ideia de finalmente alcançar o Nono Submundo. Trabalhando como um agente de viagens, onde usa o tradicional figurino do Ceifador (apenas a primeira subversão de uma imagem clássica feita por Schafer no jogo), ele planeja usar seus esforços como pagamento para um ticket no número 9. Porém, o fato de nunca conseguir bons clientes, ao contrário de seu rival, Dom, o deixa cada vez mais desconfiado. Ao “roubar” uma cliente de Dom, Mercedes “Meche” Colomar, sua desconfiança se prova fundada: ele descobre um esquema de corrupção em seu trabalho que coloca a sua (pós-)vida e a de Meche em jogo, dando início a uma jornada que percorrerá toda a Terra dos Mortos e apresentará um grande leque de personagens marcantes, sejam aliados ou inimigos, cada um com uma personalidade fascinante e algo novo para acrescentar à trama.

Grim Fandango não economiza nas homenagens e influências que compõem sua história. Algumas estão mais óbvias, como todo o cenário da Terra dos Mortos e o estilo visual de seus habitantes, claramente inspirados pela celebração mexicana do Dia dos Mortos. Há também a clara referência ao cinema noir, com Meche exercendo seu papel de femme fatale com perfeição. O jogo de referências se torna ainda mais interessante quando Grim Fandango subverte as expectativas do jogador com os gêneros em questão. Se o enredo é o mais maduro e, de muitas formas, sombrio da história da LucasArts, cheio de críticas à burocracia, ao corporativismo e à exploração do trabalhador comum, é também um dos mais sarcásticos, ironizando todo tipo de grupo político de forma indiscriminada.

Play it, Glottis. Play "As Time Goes By".
Tudo isso é casado com a impressionante trilha de Peter McConell e uma das melhores direções de arte da história dos jogos de adventure. A edição remasterizada, lançada este ano, adiciona novas texturas, efeitos de iluminação e melhora o aspecto gráfico do jogo, oferecendo uma sensação de polimento, mas seu maior mérito é sem dúvida lançar esta obra tão importante em consoles da geração atual e ajudar a reforçar o peso de seu nome entre o público de vídeo games atual.

Grim Fandango não vendeu bem – uma das maiores sinas da carreira de Schafer, na verdade –, tendo sido lançado num ano em que o 3D fazia sucesso com suas mecânicas e visual inovadores, e nomes como Ocarina of Time, Metal Gear Solid e Half-Life dominavam o mercado. Ainda assim, sua importância sobreviveu ao longo dos anos e foi celebrada em diversos jogos por estúdios de todos os tamanhos e públicos. Grim Fandango levou a questão da narrativa em video games a um novo patamar, amarrando uma história cheia de metáforas e sutilezas com uma jogabilidade que lentamente perdia sua relevância, mas que ganhou nova vida e atingiu seu ápice ao ser enriquecida por um roteiro complexo e envolvente.

Embora o adventure tenha sofrido um recesso ao longo dos anos 2000, é difícil imaginar que aspecto teriam os jogos produzidos no atual retorno da popularidade do gênero sem seu impacto. O que é fácil de observar, porém, é como video games se tornaram uma mídia mais rica após Grim Fandango. E que venham muitos outros como ele no futuro.

With bony hands I hold my partner/ On soulless feet we cross the floor/ The music stops as if to answer/ An empty knocking at the door/ It seems his skin was sweet as mango/ When last I held him to my breast/ But now we dance this grim fandango/ And will four years before we rest.”

Data de lançamento: 1998, versão original; 2015, versão remasterizada
Onde jogar: A versão remasterizada foi lançada para PC, Mac, PlayStation 4 e Vita


sexta-feira, 1 de maio de 2015

Game jams na cultura dos jogos indie (e o que aprendi ao participar de uma)


Game jams não são nenhumas estranhas para os desenvolvedores indie. Boa parte das pessoas que estão entrando na cena independente de uma forma ou de outra acabam participando de pelo menos uma edição, em algum lugar, em algum momento. Não é por menos: o sucesso e longevidade das game jams poderiam falar por si só, mas os frutos que esse tipo de evento oferece são bastante estimulantes para quem está começando agora. Isso, inclusive, é algo que agora eu próprio posso atestar - sim, cara leitora ou caro leitor que caiu de para-quedas neste blog, além de falar sobre jogos indie, também sou um aspirante na área do game design, e recentemente participei de uma game jam bastante produtiva.

Sendo assim, nada mais apropriado que falar no meu blog um pouco mais a respeito desses eventos que já são parte essencial da cultura de jogos indie e contar mais da minha experiência nessa área. Afinal, nada melhor do que poder dizer em primeira mão meus pensamentos e opiniões a respeito de um tema que incorpora o espírito indie dentro de si.

Para começar: o que são as game jams?

"Jam" é uma palavra do inglês utilizada para representar uma sessão onde pessoas se reúnem para realizar algo na base da improvisação. O termo surgiu no mundo da música: em uma sessão de jam, músicos se encontram e tocam seus instrumentos sem qualquer combinação prévia e sem seguir uma diretriz específica para aquele encontro. A sessão pode servir com treino, proporcionar uma reunião descontraída entre amigos ou mesmo acabar produzindo um material que será lançado oficialmente depois.

Participantes da Global Game Jam 2015, uma das maiores jams do mundo.

As game jams foram criadas para seguir esse mesmo espírito. Sua origem data do começo dos anos 2000, quando eventos como a Indie Games Jam e a Ludum Dare foram criados. Como numa sessão de música improvisada, em game jams pessoas ligadas à produção de video games, como game designer, programadores, artistas, entre outros, se reúnem para montar um jogo em um tempo pré-determinado (usualmente 48 horas, embora algumas jams optem por 24 e outras mesmo 72 horas), todos seguindo um tema central que só é revelado no começo do prazo para o desenvolvimento. O elemento surpresa do tema é fundamental: assim, valoriza-se o elemento da improvisação e a criatividade e capacidade de trabalhar sobre pressão dos participantes são testadas. Pode parecer quase sufocante no começo (e um tanto intimidador), mas a verdade passa bem longe disso. A maior parte dos participantes afirma, ao final das jams, ter se divertido intensamente com a experiência, e os resultados tendem a ser bastante interessantes.

Game jams são quase sempre competitivas, oferecendo uma quantia em dinheiro à equipe vencedora, mas, embora sem dúvida este seja um aspecto bastante atraente desses eventos, ele está bem longe de ser o mais importante. Jams são ocasiões sociais, antes de tudo, onde amigos têm a chance de se reunir em torno de um interesse comum - video games - para participar de um processo criativo e, quem sabe, formar os alicerces de uma parceria de longo prazo. Há também a oportunidade de desenvolvedores que não se conhecem expandirem suas relações sociais e, claro, jams propiciam um fim de semana onde ideias interessantes e proveitosas para novos jogos surgem em grandes quantidades.

Titan Souls, um dos hits indie deste ano, foi criado originalmente para uma edição da Ludum Dare em 2013.

Jogos como Titan Souls e TowerFall foram pensados durante game jams, e empresas indie como a Thatgamecompany (de Journey, Flow e Flower) foram ativas participantes de jams no começo de sua existência, dando uma mostra do potencial deste tipo de evento.

Minha experiência com uma game jam e o que descobri com ela

Participei recentemente da game jam criada pela Kolks Games, que reuniu mais de 70 equipes. Fui convidado por uma amiga e, junto com dois outros amigos, montamos um time rapidamente e dissemos sim ao desafio. As 48 horas que utilizamos para criar nosso jogo foram talvez as mais produtivas da minha vida, serviram como uma incrível injeção de ânimo em mim e com certeza vão ficar guardadas na minha memória por muito tempo.


O melhor aspecto da experiência foi termos conseguido finalizar nosso jogo, deixando-o bonito e funcional, totalmente dentro do prazo e sem grandes estresses (tirando aqueles momentos de tensão ou preocupação ocasionais deste tipo de proposta, mas todos rápidos e pontuais). Isso se deve, sem dúvida, em boa parte à boa dinâmica que tínhamos entre nós, participantes, mas também a uma série de decisões acertadas que tomamos antes de começar a pôr o projeto em prática, antes mesmo de sabermos o tema. Não que tenha sido perfeito, entendam: em função da nossa inexperiência, nosso cronograma nem sempre esteve dentro do prazo ideal (mas conseguimos compensar) e há espaço para polimento e melhorias em muitos aspectos do nosso ritmo de produção. Mas, como marinheiros de primeira viagem, sem dúvida a sensação foi de sucesso e o resultado superou nossas expectativas.

Se eu fosse dar apenas três dicas para quem está interessado em participar de uma game jam pela primeira vez, três dicas que contenham os pontos mais importantes para se ter em mente antes de começar, diria algo assim:
- Nunca se esqueça do tempo pré-determinado, ou, em outras palavras a solução mais simples é a melhor solução. Use os softwares que você tiver mais familiaridade e que satisfaçam suas necessidades o mais facilmente possível. Se encontrar um bug que não está quebrando o jogo, o ideal é contorná-lo ao invés de resolvê-lo (o que pode demandar um tempo não existente). Talvez o resultado final não seja exatamente o que você tinha em mente ao começar, mas se você fez o melhor que podia dentro do prazo, só há motivos para se orgulhar.
- O prêmio final é bom, sem dúvida, mas não faça dele sua meta principal. Entre para ganhar, mas lembre-se que o jogo que você produzir é eterno, é seu e é algo que você sempre terá. Aprecie a experiência adquirida e os bons momentos. O que me leva a...
- DIVIRTA-SE. Game jams podem ser realmente divertidas, além de proveitosas, pergunte para qualquer pessoa que já participou de uma. Entre nela com coração e mente abertos e o resultado certamente será enriquecedor - e possivelmente memorável.

Encerrada esta conversa, deixo aqui um link para quem quiser ver o resultado dessa game jam, cujo tema era "água", para meu grupo, AngryDevs: nosso jogo Densidade. Quem se interessar pode jogá-lo clicando aqui. Quem quiser nos ajudar na votação que vai fazer parte do processo de escolha do vencedor, é só clicar aqui e dar like nesta foto do Facebook (há também nessa galeria fotos e links para os outros jogos criados para a jam, alguns bastante interessantes).

E até a próxima com mais jogos indie =)

Densidade, jogo criado minha equipe para a game jam da Kolks Games.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Transistor: Narrativas invisíveis na Utopia digital


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Existem jogos que oferecem diferentes combinações de mecânica e jogabilidade em uma proporção tão grande que parece infinita. É possível jogá-los três ou quatro vezes e, no fim de cada uma dessas vezes, perceber que você descobriu pelo menos mais uma coisa nova a respeito desse jogo. Já outros também oferecem novas descobertas ao jogador, não importa quantas vezes ele volte, só que dessa vez em sua narrativa. Nesses casos, jogar novamente para prestar atenção em detalhes antes ignorados se torna quase essencial para quem se interessa por narrativas complexas. No meio desses dois casos, apresentando um equilíbrio que uns poucos fortunados conseguem alcançar, está Transistor.

Verdade seja dita: eu posso percorrer os corredores de Cloudbank por dias a fio, testando variadas combinações de Functions e visitando cada terminal pelo caminho, e ainda assim passar longe de atingir a completude do segundo jogo da Supergiant Games, sucessor do aclamado Bastion. Há suficiente material em Transistor, tanto em narrativa quanto em jogabilidade, capaz de render uma análise profunda que no fim só arranha a superfície de seu conteúdo - o que é, obviamente, ao mesmo seu maior trunfo e minha maior dificuldade ao tentar fazer uma análise desse tipo. Como um bom fã de desafios, contudo, aqui estou, agradecido por mais essa camada de complexidade que Transistor oferece e a qual tentarei desvelar agora.


Em Transistor, você controla Red, uma cantora extremamente popular (nível Beatles de popularidade, ou o que quer que seja equivalente aos Beatles hoje, vocês jovens pós-modernos me informem) da cidade de Cloubank, uma espécie de utopia futurista onde os talentos de todos os cidadãos são explorados e potencializados. A própria Cloudbank, inclusive, parece ser guiada pela vontade coletiva de seus moradores. Certa noite, Red sofre um atento orquestrado pela Camerata, uma organização composta por pessoas extremamente influentes de Cloubank e insatisfeitas com os rumos da cidade. O atentado falha quando um homem misterioso é morto no lugar de Red, que é deixada sem voz e com a posse da Transistor do título - uma arma no formato de uma espada que absorveu a mente do sujeito sem nome.

Juntos, Red e o homem dentro do Transistor caminham por Cloubank em busca de respostas, apenas para descobrir que a cidade foi tomada pelo Process, um exército de robôs que agem como um vírus de computador, modificando a cidade e assimilando seus cidadãos (junto com seus talentos). É na batalha com o Process que reside a mecânica-chave de Transistor. Usando esses talentos, ou Functions, na terminologia do jogo, Red pode enfrentar o Process em batalhas que se dividem em dois modos: tempo real, como nos actions RPGs clássicos, ou Turn, onde inimigos congelam e o cenário se transforma em algo semelhante a um mapa de RPG tático. Apresentar dois modos de combate diferentes se revela uma opção interessante dos game designers, já que oferece uma oportunidade para o jogador de moldar seu playthrough de acordo com seu perfil, seja ele mais estratégico ou agressivo.

Outro aspecto da jogabilidade de Transistor que apresenta espaço para experimentações do jogador são as Functions, que fazem as vezes das habilidades dos RPGs tradicionais. Ao longo do jogo Red absorve novas Functions com o Transistor, aumentando sua variedade de movimentos em batalha. Ao todo, existem 16 Functions, algumas de ataque, outras de defesa, e é possível fazer combinações entre elas pelo menu ou mesmo colocar algumas em ação passiva, criando centenas de usos possíveis. Transistor faz um bom trabalho em incentivar o jogador a explorar tantas combinações quanto possível, transformando as Functions em uma mina de ouro para quem quiser experimentar variados modos de jogo.


Há no universo de Transistor uma quantidade de elementos que permanecem propositalmente vagos, deixando o jogador preencher as lacunas com as próprias teorias - e acreditem, existem incontáveis delas pela internet afora. Afinal, o que é Cloudbank, com seu nome tão significativo? Ela é parte do mundo físico? Há algo além dos limites da cidade? Qual a natureza exata do Transistor e do Process? Transistor não é um jogo que oferece respostas diretas para todos os seus mistérios, então não espere por elas. Em vez disso, o exercício de criar sua própria interpretação para o que é deixado em branco é essencial para a experiência do jogo. Pode parecer clichê, a princípio, mas faz perfeito sentido de acordo com a filosofia da Supergiant Games de tornar o jogador em um explorador e adaptador não apenas das mecânicas do jogo, mas também de sua narrativa. E há algo melhor do aquele intenso desejo de conversar com alguém após terminar uma obra de ficção?

Em uma época em que discussões relativas a tantos aspectos do video games afloram, incluindo tantos questionamentos relacionados a qual seria a duração ideal de um jogo, Transistor apresenta uma história de aproximadamente 5 horas extremamente bem-feita e que soa na medida certa, oferecendo ainda muitas outras outras horas para jogadores interessados em extrair o máximo dessa experiência. Há inclusive uma arena de testes, perfeitamente integrada à narrativa do jogo, que fornece desafios extras ou mesmo um espaço para treino a seus desbravadores. E, se após tudo isso ser dito e considerado, seu objetivo ainda for uma experiência direta, não há problemas, pois Transistor está na medida certa para isso também, transmitindo beleza e fascínio por seus circuitos. Na utopia de Cloudbank há espaço para todos, se você apenas aceitar fazer parte dela.

Data de lançamento: 2014
Onde jogar: PC, Mac, Linux e PlayStation 4

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sexta-feira, 13 de março de 2015

Lumino City: Uma aventura em papel, maquetes e memórias


Uma memória, mais antiga do que parece ser, na maioria das vezes: é o ensino fundamental e estou na minha aula de Artes, papel colorido, tesoura, cola e fita adesiva na minha frente. O trabalho de hoje é montar figuras geométricas em três dimensões e o andamento da atividade para mim está se desenrolando como uma semifinal de Copa do Mundo (eu, no caso, o Brasil, e os materiais para a tarefa, a Alemanha). Ao final daquilo tudo, após entregar à professora minhas figuras geométricas no melhor estilo 2.5D, muito à frente de seu tempo, eu tinha certeza que de que aquele não era o dom com o qual eu havia nascido. O tempo, mestre de tudo, provou que isso era verdade, Cresci sem qualquer talento para artes plásticas, mas amando descobrir cada novo talento no campo, fascinado pela habilidade e pelas diferentes representações de mundo possíveis por meio dessa habilidade. As aulas de Artes, hoje sei, não estavam ali para descobrir quem tinha o talento ou não. Sua função era expandir nossas visões e guiar nossos olhos para pontos até então ignorados.

Poucas coisas me lembraram tanto essas aulas, cuja idade já é contada na escala de décadas, quanto Lumino City. Não é só seu estilo visual, que, em plena era da arte digital, aposta em uma abordagem old school - todos os cenários são construídos em modelos reais, maquetes de papel e cartolina -, como também sua atmosfera de exploração, fascinação e descoberta de um mundo com novas e incríveis possibilidades. Lumino City tem em si o espírito de uma criança com uma aventura em mãos. Não a missão que guia sua protagonista, Lumi, propriamente dita, já que esse é apenas o caminho. A aventura real é a jornada de amadurecimento e independência de Lumi, uma aventura compartilhada por bilhões de crianças em aulas de Artes (e Matemática, e História, e Ciências) ao redor do mundo.


Em termos mecânicos, Lumino City é um puzzle / point and click criado pela State of Play. Ao contrário da maior parte dos point and clicks, o jogo não apresenta uma história complexa - sua premissa inicial é extremamente básica e nunca realmente se expande. Lumi é uma garota que parte em busca de seu avô, que desapareceu misteriosamente durante um encontro para um chá. Sua jornada a leva à Lumino City do título, um lugar de arquitetura singular, construído como um carrossel na rocha de uma montanha. Casas se abrem para o nada, a incontáveis metros de altura, complicadas passarelas, escorregas e canos servem de transporte de um ponto a outro da cidade e todos os moradores parecem conhecer o avô de Lumi, apesar de ninguém saber apontar seu paradeiro.

Eu poderia falar horas e horas de como o estilo visual de Lumino City é impressionante e não fazer justiça a ele. Provavelmente o que mais chama atenção nele é ser tão destoante da arte digital que é o padrão estético para video games. Mesmo colocando-se o fator novidade de lado, ele ainda é extremamente notável e deixa uma impressão marcante no jogador. Lumino City ganha vida na direção de arte impecável e original do jogo. Seus puzzles seguem a maior parte dos moldes estabelecidos pelos point and clicks, e, se não reinventam a roda, são bastante bem pensados e capazes de prender a atenção do jogador com sua variedade e razoável desafio (que aumenta bastante no trecho final do jogo). Há um sistema de dicas bem criativo, aliás, por meio de um Guia-Para-Todas-as-Coisas do avô de Lumi que a garota pode consultar para avançar na solução de certos puzzles.

A produção de Lumino City muitas vezes lembrava a de um filme.
É sem dúvida na exploração da cidade que Lumino City se destaca. Cada cenário apresenta uma novidade e seus moradores, meio fábulas, meio brincadeira com arquétipos, parecem fazer uma simbiose com o espírito da cidade, servindo como uma verdadeira extensão da arquitetura do lugar. Uma consideração importante a respeito deste jogo é que ele é na verdade uma continuação de outro trabalho da State of Play, Lume (estou começando a notar um padrão aí). Isso, porém, não é um problema para quem não teve a oportunidade de jogar o antecessor, grupo no qual me incluo. Lumino City é um jogo totalmente a parte e independente, mantendo apenas os personagens centrais e estilo visual de Lume.

Lumino City não é perfeito (sua jogabilidade apresenta espaço para melhorias simples que enriqueceriam a experiência) nem tenta ser extremamente inventivo em suas mecânicas, mas há bastante características únicas e momentos incríveis para garantir que sua experiência permaneça com o jogador por um longo tempo. Sua mistura de gostos - descobertas da infância com questões da vida adulta, tradição e progresso, o novo e o antigo em tranquila união - não perde a mão em nenhum instante, e há muitos elementos em sua história simples que podem propiciar leituras variadas. A experiência é válida para crianças de todas as idades, as de 8 e as de 80, porque o mundo tem sempre um ângulo novo para ser explorado e descoberto, não importa o quanto mais velhos e certos de tudo fiquemos. É exatamente o que obras como Lumino City querem nos lembrar a todo tempo. Ainda bem.

Data de lançamento: 2014
Onde jogar: Mac e PC, pelo Steam

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Monument Valley: A jornada da princesa nas veredas escherianas


M. C. Escher, artista gráfico holandês, foi sem dúvida um dos criadores mais importantes do século XX. Sua obra, marcada por padrões geométricos, isometria, cruzamentos e entrecruzamentos, transformava a matemática em arte ao exprimir conceitos e fórmulas em gravuras. Mais do que isso, sua obra é lembrada e celebrada hoje em dia por abordar o conceito dos ciclos infinitos, sistemas que, por ilusão de ótica, partem de um ponto inicial e voltam para esse mesmo ponto de uma maneira que desafia a lógica, como sua famosa cachoeira exemplifica. Uma obra tão inovadora, que brinca com noções de espaço e física, não entraria para a história sem deixar de inspirar dezenas de trabalhos de ficção (e render algumas exposições, também, incluindo uma alguns anos atrás no Rio da qual sou bastante frustrado de não ter ido - mas não nos prolonguemos nisso).

Uma das notáveis obras de ficção inspiradas em Escher é Monument Valley, do estúdio Ustwo, um puzzle lançado para Android e iOS que assume suas influências de maneira clara e apaixonada em sua direção de arte e utiliza os conceitos das criações escherianas como núcleo de sua jogabilidade. O jogo segue Ida, uma princesa que explora as construções de um reino sem nome, tentando achar seu caminho pelos labirintos do lugar, criados a partir da "sagrada geometria" utilizada no reino, como é explicado na história. O objetivo da jornada de Ida não está claro para o jogador inicialmente, embora a narrativa eventualmente ofereça pistas para solucionar esse quebra-cabeças (e nenhum duplo sentido pretendido aqui, juro).


A jogabilidade de Monument Valley é bastante simples e intuitiva: os toques do jogador movem Ida. Eventualmente ela encontra alavancas que podem ser usadas para mover ou alterar o cenário, transformando-o em uma ilusão de ótica escheriana que Ida pode usar em sua vantagem para chegar em pontos antes inalcançáveis. A simplicidade das mecânicas é contrastada pela riqueza da direção de arte e do estilo visual de Monument Valley. Mesmo na tela pequena de um smartphone a "sagrada geometria" não tem seu brilho diminuído, transformando o jogo em mais uma prova de que mesmo com recursos limitados é possível fazer muito. O mundo de Escher ganha mais cor e novos tons de poesia, em uma homenagem sólida e com personalidade.

Porém, o que me impressionou ainda mais em Monument Valley foi seu talento para expor sua narrativa ao jogador com pequenas pistas e dicas, oferecidas em uma introdução, uma frase ou um detalhe do cenário. É verdade que essa natureza aberta, que deixa para o jogador compor as próprias teorias e interpretar aqueles eventos à sua maneira, pode ser bastante frustrante para quem prefere narrativas mais diretas, entretanto vale a pena dar uma chance e juntar as peças da história por trás daquele mundo e da solitária jornada de Ida. Jogos como Shadow of the Colossus e Journey - que figuram entre os mais importantes da cronologia dos video games - também exploraram o caminho da narrativa aberta com grande sucesso, e Monument Valley consegue sustentar um tom de mistério e fascínio igualmente interessante, embora de maneira mais simples e particular.

Há outros pontos inerentes a Monument Valley que também não são universais: o principal é que o jogo é muito curto. Jogadores experientes em puzzle podem terminá-lo em uma hora e meia, mais ou menos. Mesmo quem não tem costume com o gênero não deve tomar muito mais do que isso - Monument Valley é fácil, em termos diretos, o que pode também ser negativo para alguns. Eu, porém, acredito que a Ustwo sabia exatamente o tipo de experiência que queria oferecer e entregou justamente o que planejou: uma experiência artística, autoral, que dura o tempo exato que precisa durar. Quem ainda sentir vontade de mais após terminar o jogo pode comprar a expansão, Forgotten Shores, que adiciona oito novas fases. Seja como for, quem aprecia aventuras curtas e experiências ricas em cor, criatividade e beleza tem nas veredas escherianas de Monument Valley um caminho interessante para percorrer.

Data de lançamento: 2014
Onde jogar: Sistemas Android e iOS



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Life Is Strange, Episódio 1: Muito mais que uma introdução


"O bater das asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova York." Se esse enunciado parece familiar para você, você provavelmente já leu ou ouvir falar alguma coisa a respeito da teoria do caos. Se analise teórica de sistemas não é sua praia, não se preocupe, você não veio parar na página errada. Tudo que quero é chamar atenção para a diretriz central da teoria, a de que pequenas alterações e irregularidades em um sistema complexo podem levar a resultados inesperados (ou seja, é a justificativa científica para aquele temporal anunciado pelos meteorologistas há dias ter se transformado em sol e muito calor). A grosso modo, estamos falando aqui das condições para o surgimento do caos, e existem poucas coisas mais caóticas que a vida de uma garota de 18 anos, presa entre o fim da adolescência e o começo da vida adulta em um mundo que promete descobertas e anseios, felicidades e decepções entregues quase juntas e mal embrulhadas.

Ainda assim, Life Is Strange, da Dontnod Entertainment, decide adicionar um pouquinho mais de caos na vida de Maxine Caulfield. Max voltou à pequena cidade no Oregon na qual nasceu para estudar fotografia na Blackwell Academy, após alguns anos morando em Seattle. Após algumas semanas inciais menos que entusiasmantes, a vida de Max na academia dá um giro quando ela testemunha um assassinato em um dos banheiros - e a vítima é sua melhor amiga de infância, Chloe, com quem ela perdeu o contato após sua mudança. O pânico dá lugar ao choque quando Max, em seu desespero, descobre ter o poder de voltar no tempo. Jogada de volta para a sala de aula, alguns minutos antes, ela precisa lidar com as implicações de seu poder recém-descoberto e vê nele a chance de fazer algo bom e salvar a amiga de infância.


A proposta de Life Is Strange se inspira em um longo sonho humano: quem nunca se arrependeu de dizer algo um segundo depois das palavras saírem e desejou poder voltar no tempo para consertar isso? Ou se torturou por dias após tomar uma decisão importante, imaginando o que aconteceria se simplesmente tomasse a decisão oposta? A mecânica de "aperte um botão e volte alguns instantes" não é inédita - Prince of Persia: The Sands of Time foi um dos maiores sucessos de 2003 por conta justamente disso, entre outros fatores -, mas Life Is Strange se destaca por amarrar essa funcionalidade à sua narrativa. Não é, portanto, um recurso de tentativa de erro, algo que pode ajudar você a ter uma vantagem em um combate ou sequência de plataforma; pelo contrário, não há escolha "certa" entre assumir ou não a culpa de algo no lugar de uma amiga ou optar por humilhar ou confortar uma rival após uma situação embaraçosa. Todas as possíveis escolhas dão início a uma cadeia de eventos que pode se tornar gigantesca, e o reset temporal pode adicionar mais variáveis a uma equação que já é bastante complexa.

Se sua mecânica já é um diferencial que torna o primeiro episódio, lançado em janeiro deste ano, digno de uma conferida, sua história mostra-se promissora e o elemento que faz o season pass valer a pena. O mundo em que Max vive, as pessoas que fazem parte dele e as situações e dilemas pelos quais elas passam são bastante críveis e escritas com bastante cuidado. A angústia característica de jovens de 17 e 18 anos pode não ser o cenário mais entusiasmador para se visitar (ou revisitar), mas é tratado com uma boa dose de beleza: caminhar nos corredores da academia ao som de indie folk enquanto você é apresentado às felicidades e tristezas daquele grupo de estudantes é um momento de puro poesia, que dá o tom das coisas que virão.

Ok, talvez nem tudo seja crível, mas acho que é isso que chamam de rebeldia adolescente, não?

Também é preciso admirar a bravura da Dontnod Entertainment, que, em tempos de Gamergate e polêmicas (completamente idiotas e danosas) quanto à representação feminina em video games, manteve-se fiel à sua escolha artística e insistiu em uma protagonista feminina, apesar das pressões de publishers em potencial para que isso não acontecesse, até receber carta branca da Square. Esse é, inclusive, o segundo do jogo da desenvolvedora a optar por uma mulher como protagonista, algo já feito em Remember Me, jogo que, apesar de não chegar perto de reinventar a roda, merecia mais amor e atenção do que recebeu. Em Life Is Strange, a relação de Max e Chloe é um dos destaques do primeiro episódio e promete ser expandida e aprofundada nos próximos capítulos.

O efeito borboleta de Life Is Strange está só começando, é verdade, e seus efeitos apenas começam a ser sentidos. A borboleta já está lá e o furacão já se formou, mas ainda está para chegar. O primeiro episódio é uma introdução ao que pode se tornar um dos melhores jogos do ano, ao mesmo tempo em que não se limita a ser apenas um degrau da escada. Sua riqueza e profundidade já é notável e fica bastante claro que ainda há muito mais pela frente. O vento pode soprar para qualquer lado e se o presente é moldável, o futuro está aberto a especulação, mas uma coisa já está decidia: eu vou estar lá para ver o que vai acontecer.

Data de lançamento: O primeiro episódio saiu em janeiro e o segundo está previsto para março, com outros três ao longo do ano.
Onde jogar: PC, PS3, PS4, Xbox 360 e One. É possível comprar o episódio separado ou o season pass.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

The Vanishing of Ethan Carter, ou (Venha ver o pôr do sol)


No meu caminho, desci até a praia e fiquei olhando a água bater nas pedras. Eu conseguia ouvir a represa dali, distante, mas uma presença palpável. A imagem do corpo que eu tinha acabado de encontrar ainda estava gravada na minha cabeça, mas não evocava terror. Era mais uma melancolia, uma tristeza mal-disfarçada que havia se entranhado em cada centímetro daquela estrada. Fui até a ponte sobre a represa e fiquei alguns minutos apenas olhando a vista, ouvindo a água exercer seu poder e os sons do fim de tarde. Não queria continuar andando, não agora, não por enquanto. Queria ficar ali e talvez chorar. Mas eu tinha uma meta, ainda que não soubesse até então qual era. Mas sabia que ela não estava ali, naquela ponte, naquela melancolia. Então fui. Sem saber para onde, apenas fui.

The Vanishing of Ethan Carter começa com uma mensagem de seus desenvolvedores: "Esse jogo é uma experiência narrativa que não segura você pela mão". Essas palavras podem ser extremamente encorajadoras para alguns, extremamente frustrantes - ou pretensiosas - para outros. Independentemente de qual desses é o seu caso, uma coisa eu posso garantir: essas palavras são sinceras e verdadeiras. Não há uma grande introdução à história: você sabe apenas que é Paul Prospero, detetive paranormal que, como você descobre de maneira empírica minutos depois, pode entrar em contato com o mundo dos mortos. Paul foi convocado à minúscula cidade de Red Creek Valley pelo tal Ethan Carter do título, um garoto que desapareceu no ar após fazer um chamado desesperado. Onde está Ethan e o que o deixou tão assustou é um mistério cujas peças do quebra-cabeças você começa a juntar no primeiro minuto de jogo.


A maior vantagem de The Vanishing of Ethan Carter é, como indicado por seu aviso inicial, confiar plenamente em seu jogador. Isso não se refere apenas a questões mais práticas, como dificuldade ou aprendizado de mecânicas. Sim, você não vai receber qualquer instrução para resolver os puzzles (e, na verdade, na primeira vez que encontrei um só percebi que se tratava de um puzzle quando falhei nele e tive que recomeçar), mas esse é um jogo montado astutamente de modo que isso não se torne um ponto de frustração: não há morte, limite de tempo ou adversários, de modo que tudo pode ser feito ao seu tempo. O principal benefício dessa liberdade oferecida, porém, é que toda a narrativa do jogo é desvelada por você e apenas você, no seu ritmo, por meio de seus esforços e descobertas. A sensação de objetivo alcançado casa perfeitamente com a atmosfera de mistério e a natureza aberta do jogo.

O segundo grande trunfo de The Vanishing of the Ethan Carter é também o primeiro que se nota: o jogo é simplesmente e inacreditavelmente bonito demais. É verdade que potência gráfica não é indispensável para criar atmosfera e, pelo menos na minha opinião, está longe do topo da lista de coisas que constituem um bom jogo, mas seria extremamente injusto e até cruel não oferecer elogios ao feito que são os visuais dessa obra. O time da Astronauts, a desenvolvedora, claramente sabia o que queria alcançar e não poupou esforços. A direção de arte é riquíssima, as texturas são impressionantes e o jogo como um todo parece tão orgânico e real que é impossível não se sentir andando realmente pelas trilhas do Wisconsin, acreditando de coração que se você respirar fundo e se concentrar, vai sentir o cheiro da terra molhada.


The Vanishing of Ethan Carter tem em si uma mistura de elementos e referências que não passam despercebidos a seu jogador: é impossível, por exemplo, não associar Red Creek Valley com Twin Peaks, duas cidades relativamente isoladas onde eventos sinistros acontecem rotineiramente. Conforme você explora o lugar, aparentemente deserto, se depara com uma série de assassinatos e as mecânicas utilizadas para resolver esses crimes podem lembrar jogos como Murdered: Soul Suspect. The Vanishing of Ethan Carter consegue, porém, se diferenciar e se mostrar uma obra bastante original por meio de sua atmosfera e narrativa com personalidade. Ao fim da experiência, fica a sensação de que seus desenvolvedores conseguiram atingir sua meta: criar um jogo de mundo aberto com imersão singular, com uma jogabilidade simples, mas efetiva, que se amarra perfeitamente a esse mundo.

Fica, também, ao fim de tudo, uma admiração pela montanha-russa de emoções que esse jogo consegue oferecer sem perder seu foco. Deslumbramento, suspense, puro horror e alegria sincera aparecem em sucessão ao longo da jornada, tornando The Vanishing of Ethan Carter uma experiência próxima ao indescritível - e também muito pessoal. Uma constante, porém, é sua inegável melancolia. Leve, quase velada, por trás dos panos, apenas ali, naquele pôr do sol no horizonte visto pela ponte sobre a represa.

Data de lançamento: 2014
Onde jogar: PC, por Steam, com previsão de lançamento para PS4 para este ano

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Always Sometimes Monsters: Monstros, demasiadamente humanos



Texto por Vanessa Raposo*

Eu queria muito botar uma bala na cabeça dela.

Chovia e eu não era "eu". Tampouco era "minha personagem" recorrente. A pessoa que erguia o revólver não tinha nada a ver com a história que acabara de ouvir: era um estranho desembaraçado dos nós de uma narrativa perturbadora; um ouvinte isento que podia julgar sem ser afetado pela pessoalidade da coisa toda.

Exceto pelo fato de que era eu – Vanessa-jogadora-prazer – quem controlava seu dedo no gatilho.
"Escolha é uma ponderação entre custo e benefício”, disse alguém. “As circunstâncias influenciam nesta ponderação. As consequências cuidam do resto. Por isso, neste sistema, não pode haver ‘certo’ ou ‘errado’." Percebo-me inclinada a concordar. Existem coisas que afetam aqueles que estão ao nosso redor de maneira positiva e existem coisas que destroem as vidas alheias. Mas o universo não tem um sensor de Paragons e Renegades e não recompensa ou pune de acordo com nossa filiação. No fim das contas, para sobreviver, às vezes é preciso ser esperto, às vezes é preciso ser gentil. Mas, às vezes, é preciso ser um monstro.

Always Sometimes Monsters não é um jogo fácil. Não falo isso no sentido mais tradicional de "milhões de coletáveis e chefões porradeiros para enfrentar", mas mais como "bosta de soro caseiro, preciso mesmo tomar esse troç... uuaargh". Difícil de engolir, I mean. Isso não quer dizer que ele seja ruim. ASM é contado de maneira intrigante e interessante, mas claramente não é um jogo que tenha como função primária "divertir" o jogador. Em muitos momentos, ele chega a ser monótono e entediante – propositalmente.  E isso dá peso a sua mensagem, solidez a nossas decisões. Ok, ok... Talvez “soro caseiro” tenha sido um exemplo ruim. Pense mais em um copão de Ovomaltine – delícia, mas essas pelotinhas precisam ficar irritando a garganta assim? Isso é ASM, para o bem ou para o mal.


Na introdução do jogo, você é apresentado como um personagem com um futuro promissor. Depois de identificar seu gênero, etnia e orientação sexual, você brinda ao que o mundo parece estar te dando numa bandeja de ouro: um contrato milionário assinado com uma grande editora, a promessa de riqueza e o amor de sua vida bem ali, ao seu lado. A cena corta para um ano depois. Você está sozinho, atolado em dívidas num apartamento minúsculo no subúrbio. Como não tem sequer uma única página de seu livro escrita, a editora te dá um pé na bunda. E seu suposto amor vai casar com outra pessoa dentro de um mês. Bem-vindo à sua vidinha de merda!

É aí que nós, jogadores, entramos, trazendo todo o nosso caos particular conosco: quando recebo o convite para o casamento de minha ex, inevitavelmente preciso reavaliar a minha própria vida. O que é importante para mim? Meu trabalho criativo? Simplesmente sobreviver como for possível? A lealdade a meus amigos? Reconquistar meu amor, talvez? O fato é que tenho 30 dias in-game para descobrir. Na jornada, atravesso o país, conheço diversos personagens e sou colocada de frente com várias decisões morais que dizem quem, de fato, sou. Nesse intervalo, sobra tempo para discutir exploração de mão-de-obra, trabalhos idiotizantes, vício em drogas, violência, preconceito racial, de gênero e de orientação sexual, e até fraude eleitoral. Ao longo de flashbacks, influenciados pelas minhas decisões "futuras" (ou seja, no tempo do jogo), é que descubro o momento preciso em que as coisas começaram a dar errado. Por culpa de quem? Dá para consertar? Eu quero consertar? Acima de tudo, a pergunta que fica é: até onde vou por algo que desejo muito? Não é uma premissa extremamente inovadora nos jogos, é verdade, mas o fato de falarmos de coisas cotidianas e reais engrossam o tom e atingem um ponto certeiro.


O que Always Sometime Monsters faz muito bem é criar uma história interessante em um setting ironicamente pouco utilizado nos videogames: o mundo real, com pessoas reais. Ele ajuda a suprir uma carência evidente em jogos que tratem de questões cotidianas e de dramas humanos que fujam dos apocalipses zumbis, guerras e batalhas intergalácticas. Existem bilhões de histórias ocorrendo neste exato momento em nosso mundo normal, com nossos amigos, pais, filhos enquanto vão à padaria, pagam o colégio das crianças e evitam comer salada. O vácuo que os jogos deixam ao ignorar esses temas fica ainda mais evidente quando a gente pausa para comparar com outras mídias. Por isso, é importante que games como ASM existam – e que maravilha que, ainda por cima, seja tão coerente e interessante.

Apesar de nem sempre ser agradável, Always Sometime Monsters é um jogo com uma vibe no geral positiva. Ele é engraçado – acredite ou não –, e segue num ritmo que por vezes lembra mais um bate-papo entre amigos cheios de ideias que você adora ouvir enquanto toma umas cervejas. Não se engane pelos visuais, também. Apesar de ser feito no RPG Maker, há capricho no texto, na caracterização dos personagens e maturidade clara para falar do que importa. Mais interessante, porém, é que aquilo que definimos como relevante vai aparecendo aos poucos de uma forma analógica (isso é, não binária) ao longo da jornada e de uma série de escolhas. Há gradações cinzentas, tons inclusive interpretativos, que moldam a nossa própria história em mais do que uma simples ramificação de escolhas fixas.

Por isso, e apenas por isso, eu fiz aquilo na noite chuvosa.

Tinha ouvido o suficiente. O comando de disparar a arma é digital: 1 – mata; 0 – não mata. Mas a mente que decide é analógica; minha história é repleta de caos e esbarrões. Não era por vingança, raiva ou frio merecimento. Aquela mulher nunca tomara um caminho por conta própria, nunca obtivera coisa alguma por mérito e esforço. Ela era nada.

Aquele era um golpe de misericórdia.

Apertei o gatilho.

Data de lançamento: 2014
Onde jogar: PC, por Steam ou Humble Blundle

* Vanessa Raposo adora jogos que oferecem o prazer masoquista de tomar escolhas difíceis. Estuda Game Design, é formada em Produção Editorial e coordena a sessão Tech & Games da Revista Capitolina.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Uma breve, nada completa, história dos jogos independentes, parte I: Os primeiros anos

Jogo feito por equipes pequenas e sem financiamento dos grandes distribuidores. Artístico. Inovador. Ousado. Independente, ué. Todas essas são possíveis definições para "indie game", ou representam a percepção dos jogadores contemporâneos sobre o tema. De fato, a divisão da indústria de jogos entre as grandes corporações e os desenvolvedores indie se tornou um dos temas recorrentes da sétima geração, quando, graças a iniciativas de distribuição digital como o Steam, os indies ganharam um espaço até então inédito e um maior respeito e representação no mercado.

Porém, esse caminho nem sempre foi tão simples. Jogos indie tiveram que lutar por décadas por um pouco de espaço e representação, e durante esse processo mudaram muitas coisas que antes eram consideradas normas consagradas. Um olhar histórico revela a importância que os indies tiveram na indústria ao longo dos anos e diz muito a respeito de seu papel no cenário de jogos atual. Pensando nisso, dou início a essa série de três posts (spoiler: tematicamente divididos em passado, presente e futuro, com muitas liberdades) onde faço uma descrição não exatamente detalhada, porém importante, da cronologia dos jogos indie e seu impacto no mundo dos video games. Para começar, a nada fácil vida antes do advento da distribuição digital como prática consagrada de mercado.

Commander Keen (1991), da então novata Id Software

Nas décadas de 1980 e 1990. estar vinculado a alguma das "todas-poderosas" do período era o caminho mais rápido para o lançamento do seu jogo. Ter a benção de um nome como Nintendo, Sega, Square, Enix, Capcom ou Konami era o maior privilégio que um desenvolvedor poderia almejar então - e um luxo, igualmente, pois, ainda na sombra do crash de 1983, as grandes empresas não estavam interessadas em correr riscos e eram seletivas em suas parcerias. Ainda assim, ao longo dos anos pequenos desenvolvedores encontraram meios de contornar um mercado fechado para eles e encontrar seu público.

Criar jogos para computador foi a principal estratégia utilizada pelos desenvolvedores indie para lidar com a dificuldade em encontrar espaço no mercado de varejo de consoles, uma tendência que se mantém até hoje, graças às facilidades que a distribuição digital oferece. Na década de 1990, proliferaram os jogos shareware, Oferecer uma demo que o jogador pudesse experimentar antes de comprar o jogo, investir na comunicação boca a boca e no arquivo passado de amigo para amigo (por disquete - achei justo oferecer a pílula de nostalgia diária nesta observação) se mostrou uma excelente forma de popularizar o trabalho e o nome dos pequenos desenvolvedores.

Sim, houve uma época em que atirar em demônios era super underground.

Pode parecer difícil de acreditar hoje, mas a Id Software, a empresa que criou Wolfenstein 3D e Doom, clássicos da época, já foi um dia uma empresa bem pequena que se utilizava do shareware para divulgar seus jogos. FPS atualmente pode ser um sinônimo de falta de criatividade, de modo geral, nos chamados jogos AAA, mas foi uma revolução no tempo de sua criação, algo nunca antes visto e que se transformou em um sucesso instantâneo - e que melhor meio de um indie se posicionar do que criando uma revolução nas convenções do momento?

No final da década de 1990, iniciativas como o Independent Game Festival ajudaram a popularizar os jogos indie e abrir novos espaços e possibilidades na indústria. Softwares para edição de jogos também se tornaram famosos no período, como o RPG Maker e o GameMaker, oferecendo ferramentas a pequenos desenvolvedores sem experiência com as engines tradicionais.

Versão 2000 do RPG Maker (sim, esse é o tempo batendo à porta...)

Na primeira metade dos anos 2000, durante a sexta geração de consoles, o mercado de video games viu a ascensão de uma vertente dentro dos jogos indie que fugia completamente dos padrões da época: os chamados art games, jogos com uma veia artística que não se prendiam às convenções de jogabilidade e narrativa, colocando arte e estética acima do entretenimento. Destacam-se, nesse gênero, Samorost, da Amanita Design, e The Endless Forest, da Tale of Tales, duas desenvolvedoras indie bastante ativas até hoje (como mostrarei no próximo post desta série). Desse período também são dignos de nota Syberia, um influente point and click da Microïds, e Gish, jogo de plataforma/estratégia que teve no seu time de designers Edmund McMillen (outro nome que será bastante mencionado no próximo post...).

Samorost, da Amanita Design

Mudanças estavam começando a surgir no mercado de jogos indie, mas o terreno ainda era bastante arenoso para os pequenos desenvolvedores. Dificuldades de distribuição eram a norma, preconceito e desconhecimento eram recorrentes e a indústria de modo geral continuava girando quase que exclusivamente ao redor das grandes empresas. A principal mudança, porém, ainda estava por vir, pois a Valve mudaria o cenário de toda a indústria com o Steam, oferecendo uma chance a toda uma geração de game designers talentosos e possibilitando a ascensão dos jogos indie como uma força a ser reconhecida.

Isso, porém, é toda uma nova história, que eu contarei em detalhes no próximo post desta série. Até lá!

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

The Banner Saga - Um conto de neve, jogos políticos e estratégia


A mitologia nórdica não é nenhuma estranha para quem é fã de fantasia ou acompanha a cultura pop de maneira geral. Não é de se espantar: quando Tolkien escreveu O Senhor dos Anéis e toda a sua bibliografia ambientada na Terra Média, foi principalmente da cultura nórdica que ele tirou inspiração para criar sua própria mitologia. O legado da literatura tolkeniana se espalhou ao longo das décadas em outras obras de ficção, e elfos e anões se tornaram quase inclusões obrigatórias nas obras de fantasia. É claro, depois de anos de jogos, filmes, livros e tantas outras mídias utilizando as mesmas convenções quando o assunto era fantasia, muita gente começou a sentir um desgaste evidente no gênero.

O principal diferencial de The Banner Saga, jogo da desenvolvedora americana Stoic, é criar uma história inspirada nas lendas vikings que consegue ser inovadora e criativa apesar de dividir sua fonte de inspiração com tantas outras obras. Segundo seus próprios criadores, a intenção é que a experiência do jogo seja madura, baseada em tomar decisões difíceis e viver com as consequências. Para isso, os anões e elfos dão lugar a um mundo desolado que encara sua extinção iminente enquanto delicadas relações políticas podem decidir os rumos de tudo que virá a seguir.

Na história de The Banner Saga, mulheres e homens conviveram (nem sempre nos melhores termos) ao lado de gigantes chamados varls por gerações, até o dia em que os deuses que ambos cultuavam morreram misteriosamente e o sol parou no céu. Agora, ameaçados por um inimigo em comum, os dredge, lendários guerreiros de pedra que destroem tudo em seu caminho, humanos e varls precisam colocar as diferenças de lado e se unir para evitar o fim da própria existência. O jogo muda a ação de foco constantemente entre seus capítulos, colocando o jogador na pele das duas raças e tomando decisões delicadas. Paralelo a isso, durante todo o tempo você controla caravanas viajando de cidade a cidade, e cabe a você garantir que há suprimentos o bastante para toda a jornada - ou então as consequências podem ser drásticas. Suas escolhas têm peso na história, também, e muitas têm um impacto de vida ou morte sobre seus aliados.


Mecanicamente, The Banner Saga é um jogo de RPG estratégico com batalhas em turnos, similar a Fire Emblem e Final Fantasy Tactics (ou seja, aquele combate que lembra uma partida de xadrez). Como é típico do gênero, as lutas podem ser bastante desafiadoras e a jogabilidade pode se tornar bastante viciante - especialmente considerando que muitos RPGs de estratégia são um caso de "prática leva à perfeição" -, mas esses fatores também podem desanimar quem não for um entusiasta em particular desse estilo de jogo. Outro ponto de destaque é a arte do jogo, toda desenhada à mão e que lembra o estilo de famosos animadores como Don Bluth. Todos os cenários são ricos e bem trabalhados, tornando o jogo uma experiência visual fascinante.

The Banner Saga não é perfeito, ou melhor, apresenta muito espaço para melhorias. Se as mecânicas de jogo são sólidas, os inimigos e campos de batalha por outro lado são pouco variados, algo problemático em um gênero onde esses fatores se destacam, e a evolução dos personagens às vezes é um pouco rasa. No saldo geral, porém, é um jogo que vale a pena ser jogado por seus diferenciais, e com uma continuação já planejada para este ano de 2015, todos os seus eventuais problemas podem ser corrigidos e a narrativa complexa do jogo deverá ser expandida ainda mais. Ainda bem, pois The  Banner Saga é daqueles que mostram que há como inovar no que até pouco antes era lugar comum.

Gênero: RPG de estratégia
Data de lançamento: 2014, com continuação anunciada para este ano
Onde jogar: PC (Steam), Mac, Adnroid e iOS, com ports para consoles planejados para este ano


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Five Nights at Freddy's: Um guia de sobrevivência

"Hello, hello? Hey you're doing great! Most people don’t last this long. I mean, you know, they usually move on to other things by now. I'm not implying that they died. Th-th-that’s not what I meant. Uh, anyway."



Jogos indies e terror têm uma longa e profunda história de amor. Se nos anos 1990 os grandes estúdios encheram consoles como o PlayStation com franquias que se tornariam lendárias, como Silent Hill, Resident Evil e Dino Crisis, criando a chamada era de ouro dos survival horrors, com a chegada da sexta geração de consoles o gênero parece ter perdido seu fôlego. A maior parte dos jogos de terror mudou seu foco da atmosfera para a ação nessa época, deixando muitos saudosistas dos velhos tempos. Porém, nos últimos dez anos, mais ou menos, pequenos estúdios como a Frictional Games (das séries Amnesia e Penumbra) e a Parsec Productions (da série viral Slender) ajudaram o gênero a ressuscitar e ganhar um renascimento em sua popularidade.

Five Nights at Freddy's, fruto dos esforços de Scott Cawthon, que criou o jogo no melhor estilo "exército de um homem só", foi lançado em 2014 e rapidamente se tornou um dos mais famosos expoentes do survival horror moderno. Com uma jogabilidade simples, baseada em point and click, o jogo consegue atingir uma mistura perfeita de atmosfera assustadora e jumpscares (aqueles sustos de fazer você pular da poltrona). 

Na história - bastante simples, pelo menos a princípio e na superfície -, você controla Mike Schmidt, um segurança recém-contratado para trabalhar no turno da noite do restaurante Freddy Fazbears's Pizza. Um trabalho bastante comum, é claro, até você receber uma ligação de seu antecessor no começo de sua primeira noite pela qual você é avisado que os animatrônicos que entretêm os clientes durante o dia ficam um pouco inquietos durante a noite (compreensível, é claro). Sua meta se torna então impedir que os animatrônicos invadam o escritório onde você está confinado até o amanhecer e sobreviver por cinco noites para receber seu pagamento (por que seu personagem não foge após a primeira noite como uma pessoa normal faria é objeto de muita especulação e teorias internet afora, aliás).

Apesar de ser uma das minhas experiências mais intensas e assustadoras com um survival horror, é difícil descrever o que faz 
Five Nights at Freddy's ser tão bom sem ser deixando a recomendação de "jogue e entenda". Mas, como só isso não me satisfaz, abro aqui uma proposta diferente e apresento meu próprio guia de sobrevivência para o jogo. Minhas qualificações para essa missão: ter feito muita tentativa e erro durante muitas horas jogadas até finalmente pegar o jeito da coisa.

(Nota: este post se refere, é claro, ao primeiro jogo da série. O segundo também ganhará um no mesmo molde - assim que eu conseguir me recuperar dos meus traumas, porém.)

Chica quer brincar.


- Primeiro passo: Como jogar? -


Pelo PC é a experiência ideal, mas você também acha o jogo para Android, iOS e Windows Phone. Se sozinho, no escuro e com fones. Também fica muito bom na companhia de amigos e algum álcool.

- Sobrevivendo em cinco passos -

1º - Aprenda com a morte

Video games: o único lugar onde morrer ajuda você a sobreviver. No caso de Five Nights at Freddy's, seus erros servem mais do que nunca como aprendizado. Nas suas primeiras tentativas você vai se acostumar com os movimentos dos animatrônicos (cada um tem seu padrão), aprender a lidar com a interface do jogo, que é simples, mas tem seus truques, e algo muito importante: aprender a conviver com o medo. Não que você vá deixar de se assustar, pelo contrário, mas transformar o medo em companhia faz parte do aprendizado.

2º - Você tem energia limitada para fechar a porta e acender as luzes, então pare de ficar abusando dela. Sim, agora, vamos.

Você começa o jogo com 100% de energia elétrica disponível, mas ao longo da noite essa energia vai se esgotando conforme você fecha as portas do escritório (você não achou que seria só deixá-las fechadas a noite inteira e tudo ficaria bem, né?), consulta as câmeras ou liga luzes. Se a energia acabar, você fica completamente exposto a qualquer ataque e pode ganhar um game over facilmente. Portanto, só feche a porta quando um inimigo estiver prestes a entrar, não fique ligando luzes de maneira paranoica e limite o máximo possível o uso de câmeras.

3º - Os sons ao seu redor são seus aliados

Se não é sábio abusar da energia para poder enxergar o perigo, abra os ouvidos e escute. Os animatrônicos fazem barulho ao se mover e esse pode ser o primeiro indicativo de uma aproximação. Lembra da parte de usar fones? Eles são excelentes ferramentas de sobrevivência nesse jogo. 



4º - Pensamento estratégico: saiba quando agir
No começo de cada noite, a câmera vai estar apontando diretamente para o cômodo onde os animatrônicos estão. Não mexa nas portas ou luzes até algum deles se mover (faça consultas breves e esporádicas na câmera até isso acontecer). Quando eles entrarem em ação, não perca muito tempo caçando-os pelas câmeras se não achá-los facilmente. Preste especial atenção nas salas ao seu redor e ouvidos atentos. Uma informação importante: Bonnie (o coelho) e Foxy (a raposa) sempre aparecem na porta esquerda, Chica (a galinha) na direita e Freddy (o urso) pode atacar dos dois lados.

5º - Se ouvir sons de corrida, FECHE A PORTA

Foxy, a raposa, pode correr e invadir o escritório, enquanto os outros inimigos ficam parados na porta por um breve tempo, dando a você a chance de fechá-la. Isso faz dela o inimigo mais perigoso. Se você ouvir sons de corrida ou ver Foxy correndo por uma câmera, feche a porta esquerda imediatamente. Sério, imediatamente.

Ou então...

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

This War of Mine - Não é seu jogo de guerra tradicional


Guerras sempre foram fonte de inspiração para todas as formas de arte e produtos culturais que o ser humano produziu. Seja por ainda sentir a dor que a brutalidade das guerra causa, seja, numa via oposta, por uma espécie de fascínio militarista que de certa forma sempre esteve presente no ser humano, nunca deixamos de criar histórias que representem nossos sentimentos diante deste poderoso evento de destruição.

Neste aspecto, video games nunca foram diferentes. Na década de 1980, enquanto os jogos estavam em sua infância, já existiam vários e notáveis exemplos de video games com temáticas de guerra. Porém - e isso ao longo dos anos e gerações de consoles só ficou mais óbvio -, esses jogos sempre estavam do ponto de vista do soldado e sua missão, e sua visão dos conflitos que retratava quase sempre se apresentava como rasa, algo que, com o amadurecimento da mídia e do público, começou a ser bastante questionado. É compreensível que o foco estivesse na ação da guerra no começo, já que quando surgiram, video games eram extremamente limitados graficamente e portanto investiam tudo em suas mecânicas, mas com tanto potencial para criar jogos mais ricos e de narrativas profundas como temos hoje, por que não abordar o lado terrivelmente destrutivo da guerra?

Demorou, mas This War of Mine, jogo da polonesa 11 bits studios, consegue trazer essa abordagem quase que única de forma extremamente sensível e complexa. Como explicitado por seu slogan, o jogo nos lembra que uma guerra não é feita só de soldados, mas também de pessoas comuns que veem seu mundo desabar do dia para a noite e precisam sobreviver e reconstruir com o pouco que lhes restou.

No jogo, você controla um grupo de sobreviventes (três, inicialmente, mas conforme você sobrevive mais dias, mais personagens podem se juntar ao grupo) de uma guerra não especificada, embora inspirada na Guerra da Bósnia (1992-1995), como fica claro através de sua ambientação. Esse grupo de sobreviventes se esconde em um abrigo durante o dia, aproveitando-se da noite para buscar suprimentos em uma cidade tomada por militares e saqueadores, quase todos extremamente hostis. Durante o dia, o jogador precisa cuidar da manutenção do abrigo e tentar garantir o bem estar dos sobreviventes, reforçando as proteções do lugar, tratando ferimentos, construindo novos móveis, decidindo se arriscará ajudar os vizinhos ou não. À noite, é possível mandar um sobrevivente na missão de coletar os essenciais suprimentos, mas o personagem pode morrer ou ser capturado ao fazer isso - algo que pode acontecer muito, muito facilmente.

Ao basear suas mecânicas em elementos de sobrevivência, This War of Mine consegue com sucesso focar sua história no drama humano sem fazer a jogabilidade entrar em conflito com essa proposta. Isso porque jogos com temáticas antiguerra já haviam aparecido nos últimos anos, como Spec Ops: The Line, Fallout 3 e, em certa medida e quase surpreendentemente, Wolfenstein: The New Order. Porém, apesar de eu apreciar os méritos narrativos desses jogos, eles também seguiam a linha tradicional de games de ação, adotando, portanto, mecânicas de shooter, o que fazia com que os horrores retratados acabassem diluídos em uma jogabilidade que basicamente transforma o ato de matar em algo divertido. Isso jamais acontece em This War of Mine. Quando seus personagens pegam em armas, não espere um combate envolvente: ele é atrapalhado e pode acabar bastante mal para você. E quando sangue de fato é derramado, não espere que seu personagem sacuda a poeira do corpo e siga para fazer a próxima vítima: há grandes chances de que ele caia em uma espiral de depressão da qual ele pode não se recuperar se você não agir.

This War of Mine é um jogo difícil, que não perdoa seus erros e pede uma certa dedicação e tempo para que você fique tão bom nele quanto é possível. Também não é um jogo "divertido" no sentido tradicional que se associa a video games, embora tenha uma jogabilidade bastante envolvente. Ele é sombrio, questionador, explora dilemas morais que nascem em tempos de conflito e deixa explícito como a guerra reduz o ser humano a uma sombra do que um dia foi. Além de tudo, This War of Mine é o tipo de jogo indie que acredito ser essencial para a indústria: é corajoso, não se reduz a padrões, não tenta imitar ninguém e aponta novos caminhos de jogabilidade e narrativa. Em seu microcosmo, contribui para jogos mais complexos, que aproveitem seu potencial enquanto mídia. No macro, é um grito de um mundo que já viu horrores e precisa se repensar o quanto antes.

Gênero: Difícil categorizar de uma única forma; há elementos de action-adventure, point and click e estratégia formando algo bem único.
Data de lançamento: 2014
Onde jogar: PC, Linux e OC X (versão do Steam com tradução em português)