segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

The Vanishing of Ethan Carter, ou (Venha ver o pôr do sol)


No meu caminho, desci até a praia e fiquei olhando a água bater nas pedras. Eu conseguia ouvir a represa dali, distante, mas uma presença palpável. A imagem do corpo que eu tinha acabado de encontrar ainda estava gravada na minha cabeça, mas não evocava terror. Era mais uma melancolia, uma tristeza mal-disfarçada que havia se entranhado em cada centímetro daquela estrada. Fui até a ponte sobre a represa e fiquei alguns minutos apenas olhando a vista, ouvindo a água exercer seu poder e os sons do fim de tarde. Não queria continuar andando, não agora, não por enquanto. Queria ficar ali e talvez chorar. Mas eu tinha uma meta, ainda que não soubesse até então qual era. Mas sabia que ela não estava ali, naquela ponte, naquela melancolia. Então fui. Sem saber para onde, apenas fui.

The Vanishing of Ethan Carter começa com uma mensagem de seus desenvolvedores: "Esse jogo é uma experiência narrativa que não segura você pela mão". Essas palavras podem ser extremamente encorajadoras para alguns, extremamente frustrantes - ou pretensiosas - para outros. Independentemente de qual desses é o seu caso, uma coisa eu posso garantir: essas palavras são sinceras e verdadeiras. Não há uma grande introdução à história: você sabe apenas que é Paul Prospero, detetive paranormal que, como você descobre de maneira empírica minutos depois, pode entrar em contato com o mundo dos mortos. Paul foi convocado à minúscula cidade de Red Creek Valley pelo tal Ethan Carter do título, um garoto que desapareceu no ar após fazer um chamado desesperado. Onde está Ethan e o que o deixou tão assustou é um mistério cujas peças do quebra-cabeças você começa a juntar no primeiro minuto de jogo.


A maior vantagem de The Vanishing of Ethan Carter é, como indicado por seu aviso inicial, confiar plenamente em seu jogador. Isso não se refere apenas a questões mais práticas, como dificuldade ou aprendizado de mecânicas. Sim, você não vai receber qualquer instrução para resolver os puzzles (e, na verdade, na primeira vez que encontrei um só percebi que se tratava de um puzzle quando falhei nele e tive que recomeçar), mas esse é um jogo montado astutamente de modo que isso não se torne um ponto de frustração: não há morte, limite de tempo ou adversários, de modo que tudo pode ser feito ao seu tempo. O principal benefício dessa liberdade oferecida, porém, é que toda a narrativa do jogo é desvelada por você e apenas você, no seu ritmo, por meio de seus esforços e descobertas. A sensação de objetivo alcançado casa perfeitamente com a atmosfera de mistério e a natureza aberta do jogo.

O segundo grande trunfo de The Vanishing of the Ethan Carter é também o primeiro que se nota: o jogo é simplesmente e inacreditavelmente bonito demais. É verdade que potência gráfica não é indispensável para criar atmosfera e, pelo menos na minha opinião, está longe do topo da lista de coisas que constituem um bom jogo, mas seria extremamente injusto e até cruel não oferecer elogios ao feito que são os visuais dessa obra. O time da Astronauts, a desenvolvedora, claramente sabia o que queria alcançar e não poupou esforços. A direção de arte é riquíssima, as texturas são impressionantes e o jogo como um todo parece tão orgânico e real que é impossível não se sentir andando realmente pelas trilhas do Wisconsin, acreditando de coração que se você respirar fundo e se concentrar, vai sentir o cheiro da terra molhada.


The Vanishing of Ethan Carter tem em si uma mistura de elementos e referências que não passam despercebidos a seu jogador: é impossível, por exemplo, não associar Red Creek Valley com Twin Peaks, duas cidades relativamente isoladas onde eventos sinistros acontecem rotineiramente. Conforme você explora o lugar, aparentemente deserto, se depara com uma série de assassinatos e as mecânicas utilizadas para resolver esses crimes podem lembrar jogos como Murdered: Soul Suspect. The Vanishing of Ethan Carter consegue, porém, se diferenciar e se mostrar uma obra bastante original por meio de sua atmosfera e narrativa com personalidade. Ao fim da experiência, fica a sensação de que seus desenvolvedores conseguiram atingir sua meta: criar um jogo de mundo aberto com imersão singular, com uma jogabilidade simples, mas efetiva, que se amarra perfeitamente a esse mundo.

Fica, também, ao fim de tudo, uma admiração pela montanha-russa de emoções que esse jogo consegue oferecer sem perder seu foco. Deslumbramento, suspense, puro horror e alegria sincera aparecem em sucessão ao longo da jornada, tornando The Vanishing of Ethan Carter uma experiência próxima ao indescritível - e também muito pessoal. Uma constante, porém, é sua inegável melancolia. Leve, quase velada, por trás dos panos, apenas ali, naquele pôr do sol no horizonte visto pela ponte sobre a represa.

Data de lançamento: 2014
Onde jogar: PC, por Steam, com previsão de lançamento para PS4 para este ano

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